A avenida Rio Branco fazendo esquina com a rua Esteves Júnior, em Florianópolis, é uma das esquinas mais movimentadas da cidade durante a semana.
Um grande supermercado, várias empresas privadas, autarquias federais e estaduais, concentram ao redor, muitos restaurantes e lojas para atender essa demanda gigante de profissionais que trabalham na região.
Com duas pistas de ida, duas pistas de volta e um trânsito insano de carros desde a manhã até as dezenove horas, quando o semáforo fecha para os passantes, constrói-se um verdadeiro formigueiro de pessoas aguardando a liberação do sinal em ambos os lados da larga avenida.
Há um bom par de anos, em um dia de semana qualquer, eu esperava junto com algumas dezenas de pessoas o momento em que o semáforo interrompesse o gigante fluxo de carros que circulam na Avenida Rio Branco, para atravessá-la com segurança na direção da minha residência.
Em função do movimento grande de automóveis, caminhões e ônibus, o semáforo é programado para liberar a passagem de passantes após muitos minutos de espera.
Naquele dia, Floripa apresentava-se com um céu muito azul e fazia muito calor. Estávamos aguardando o sinal ficar vermelho, quando então por um momento, o recorrente fluxo de automóveis interrompeu-se. Mesmo com o sinal fechado aos transeuntes, não havia nenhum carro trafegando em qualquer um dos dois sentidos da rua. Porém, como bons cidadãos, aguardávamos a troca de luz do semáforo.
É quando, surpreendentemente, se desloca da massa de pessoas aguardando o sinal abrir, uma velhinha toda arrumadinha em um vestido preto, o cabelo branco arrumado em um coque e portando uma muito digna bengala. Iniciou a travessia em passos miúdos, para dentro da alameda com o sinal verde!
Todos nós, parados no sinaleiro, olhávamos impressionados, espantados e preocupados, quando então emerge do alto da Avenida Rio Branco um gigantesco caminhão Scania em grande velocidade, aproveitando a descida da rua, na direção da velhinha.
Premeditando o pior, dezenas de pessoas de um lado e do outro da avenida, começaram a gritar, alertando a sinhazinha sobre o perigo eminente. Eu apenas contraí a musculatura e os dentes, suspendendo a respiração. Do outro lado da rua se viam dezenas de braços acenando, apontando para o caminhão que descia em desabalada carreira, alertando a anciã de negro do perigo.
Com seu caminhar minúsculo, a idosa senhora avançava lentamente pela larga avenida, quando então pareceu identificar a presença do gigantesco caminhão descendo na direção dela. A velhinha de negro não teve dúvida: parou no meio da artéria de trânsito pesado e esperou, apoiada na sua virtuosa bengala.
Neste momento, aparentemente, o motorista identificou um ponto preto parado no meio da alameda e pisou assustado, no freio.
Era uma cena dantesca e apavorante observar aquele bólido de dezenas de toneladas, numa rua descendente, tentando parar para não colidir com aquele minúsculo ponto negro fixo, imóvel, parado no meio do seu caminho. Os enormes pneus guinchavam em grande volume de som, emitindo uma fumaça preta do desgaste do atrito com o asfalto.
A caçamba do Scania rebolava como um lado e outro como uma gigantesca sucuri, serpenteando e balançando pela avenida Rio Branco. Um apavoro só.
Neste momento, gritos histéricos ouviam-se por sobre o chiar dos pneus. Mãos eram levadas à cabeça ou em frente do rosto e alguns evocavam aos berros, a presença do Todo Poderoso.
Totalmente indiferente ao clamor das multidões, a velhinha mantinha-se absolutamente estática, numa postura de digna realeza britânica, com o nariz empinado, olhando, impávida, para o bólido assassino.
Quando faltava uma dezena de metros distanciando a velhota de negro do caminhão e o caminhão da senhorinha, já então ninguém mais gritava, apenas aguardávamos o trágico desfecho.
Aparentemente o motorista pisou mais fundo no freio então o milagre aconteceu: o caminhão parou a menos de dois metros dá nossa destemida personagem. Uma nuvem de fumaça preta mesclada com fumaça branca saindo do motor, circundou toda a atmosfera da cena.
Com o motorista dentro do caminhão de olhos arregalados e todos os espectadores do drama com respiração estanque, um silêncio sepulcral inundou a ambiente da avenida.
Permanecemos todos assim por alguns segundos, quando então, a velhinha, voltada para o caminhão, levantou a bengala na direção dele, a outra mão na cintura, as perninhas afastadas e com um fio de voz num tom indignado, gritou:
– Não tens breque?
E avançou, indignada, resmungando para si, para o restante da rua.
Todos nós levamos alguns segundos para assimilar ao absurdo, surreal da situação, para depois cairmos todos uma gigantesca gargalhada coletiva.