Amizade de verdade é aquela em que a irritação tem o mesmo espaço da confiança, e ambas cabem, sem culpa, no mesmo abraço.
A gente sabe que a amizade é boa quando já se acostumou com as esquisitices do outro. E não só se acostumou: aprendeu a rir delas. Amigo que é amigo não estranha quando o cara desaparece por semanas, fica sem responder mensagem ou reclama do barulho da pizzaria. A estranheza inicial vira afeto crônico.
Com o tempo, aprendemos a desconfiar das amizades que nunca dão alguma frustração. É suspeito demais. Parece reunião de condomínio com cafezinho e unanimidade. A amizade sólida costuma vir com pitadas de raiva sazonal, pequenas discordâncias e aquele ranço rotineiro que só a intimidade permite. E tudo isso sem drama, porque a confiança já foi protocolada faz tempo.
Aliás, o melhor da amizade é saber que podemos nos irritar sem romper. Aquele tipo de irritação que surge porque o outro insiste em dar opinião não solicitada, vota num candidato de amargar, fala com a boca cheia ou ainda acredita em horóscopo de jornal. Dá vontade de bloquear, mas a gente respira fundo e segue amando. Amizade longa é como sofá velho: faz barulho, tem cheiro esquisito, mas ninguém troca.
Também aprendemos que a confiança não mora só nos segredos compartilhados. Ela aparece mesmo é no silêncio confortável, na ausência que não incomoda, na certeza de que o afeto está intacto mesmo quando os humores estão tortos. Porque amizade não precisa estar sempre sorrindo. Basta não ir embora.
Somos um tanto assim: carentes, cheios de manias, temperamentais. E por isso mesmo, quando nos encontramos em outro alguém, com paciência recíproca e liberdade de ser chato de vez em quando, nasce o milagre: uma convivência que não precisa de verniz. Só de verdade.
No fim das contas, quem aguenta nosso melhor e nosso pior, sem fazer alarde, não é conhecido. É patrimônio emocional tombado pela convivência.


