No início dos anos 70, ainda adolescente, uma das modas da época era ler os livros de Carlos Castaneda. A erva do diabo, Uma estranha realidade e Viagem a Ixtlan, entre outros títulos, permeavam a imaginação de toda uma geração.
Carlos Castaneda era um antropólogo estadunidense, formado pela Universidade da Califórnia e que na busca por material para a sua dissertação de mestrado, associou-se a um feiticeiro yaqui, Don Juan Matus, índio da tribo Yaquis, do deserto de Sonora, no México.
As obras de Castaneda apresentavam aos leitores os elementos de uma rica, antiga e complexa tradição, cultuada pelos índios yaquis, denominada Caminho do Conhecimento. Don Juan preconizava que haviam outras formas, mais poderosas, de entender a realidade além dos padrões comuns e, através de um organizado grupo de técnicas e conceitos, quebrar a percepção corriqueira do mundo, permitindo ao vivente ou homem de conhecimento, divisar a existência de outros modelos da realidade.
Nas leituras, me impressionava muito a menção ao aliado, feito pelo bruxo à Castaneda. Na minha interpretação, o aliado era uma entidade sobrenatural que, uma vez dominada, tinha poder de levar os viventes a expandir sua consciência e dominar outras realidades. E eu queria muito dominar estas realidades paralelas. Embora não tivesse a mínima ideia do que elas significavam!
Estava fascinado com a possibilidade de conquistar um aliado como nos livros do autor. Então tomei a decisão de conectar com um deles. Nos livros, muitas vezes, eles eram representados por entidades semelhantes a animais e depois de vasculhar o meu imaginário na procura de um que, para mim, bem representasse um aliado, elegi um morcego.
A partir da minha decisão, passei a ouvir guinchos sussurrados de morcegos a todos os momentos e em qualquer lugar: andando nas ruas, em casa, no cinema etc.
Ao acordar, lá estava presente o som agudo do morcego. A partir daí, muito influenciado pelas leituras, associados a presença do suposto aliado, progressivamente a realidade cotidiana começou a mudar. Uma recorrência gigante de coincidências pululavam insistentemente no meu dia-a-dia, tais como, por exemplo, pensar numa pessoa e ela aparecer, desejar alguma coisa e ela me ser oferecida, ou ainda prever eventos.
O volume de experiências de sonhos lúcidos aumentou exponencialmente e inexplicavelmente, tinha uma impressão muito forte que as plantas, os animais e os elementos da natureza comunicavam-se comigo.
Muito influenciado por essas percepções e a relação com o aliado morcego, paulatinamente, fui mergulhando num mundo imaginário fascinante, porém assustador. Progressivamente, durante alguns meses fui me afastando das pessoas e submergindo naquela realidade de experiências mágicas impressionantes, que foram me absorvendo mais e mais.
O mundo naquele breve período da minha vida foi ficando cada vez mais colorido, porém mais solitário. A presença onipresente do som agudo do morcego estimulavam minha imaginação e coragem para experimentar percepções internas, que já existiam, mas que a racionalidade jamais permitiu que aflorassem.
Passado algum tempo, apesar da fascinação, meu instinto de sobrevivência começou a emitir sinais de que talvez aquele fosse um caminho sem volta, muito parecido com aqueles que utilizam alucinógenos e depois não conseguem voltar da experiência na qual estavam imersos. Vale aqui ressaltar que todas as minhas vivências foram desfrutadas sem o uso de drogas.
Diante deste risco, embora bastante contrariado, tomei a decisão de desvincular-me do meu amigo morcego.
Depois de alguns dias, parei de ouvir os guinchos do morcego e rapidamente aquelas experimentos subjetivos, mágicos, desapareceram por completo e a minha vida retomou o seu rumo conhecido e seguro.
Nesta época eu ainda morava com os meus pais e irmão, no centro de Floripa. Passado umas duas semanas, em uma manhã, enquanto tomava meu desjejum, de repente ouvi gritos estridentes vindos da parte da frente da nossa casa.
– Meu Deus! Meu Deus! – alguém exclamava. Identifiquei a voz de um dos meus queridos irmãos.
Quando abri a porta, o pequeno Rubem segurava pelas pontas das asas abertas um morcego gigante, morto! Até hoje, quando me lembro da cena, corre um arrepio de susto pelo meu corpo.
Acredite se quiser.